Do Mapa ao Milionésimo ao Google Maps

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Livro After The Map aborda a transição do mapa impresso para os sistemas de navegação e depois o sistema de informação geográfica no século XX

O que a criação da Carta Internacional ao Milionésiomo (CIM) , a criação do sistemas de coordenadas Universal Transversa de Mercator  (UTM) e o Sistema de Posicionamento Global (Global Positioning System), popularmente conhecido como GPS têm em comum?

Copyright: Time
homem trabalhando em detalhes de mapa da América do Sul Equatorial -provavelmente na American Geographical Society (sem informações ). Crédito Time, in Google Arts & Culture website

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Foi perguntando como estes esforços de mapear a Terra se desenvolveram no Século XX que o professor da Universidade de Yale, William Rankin, estudou a fundo os três maiores projetos de mapeamento em larga escala do século XX e se debruçou sobre como os avanços e as tensões entre métodos e perspectivas locais e universalizantes ocorreram utilizadas pelos técnicos que os construíram se deram ao longo do tempo.

O resultado está publicado no excelente livro After the Map: Cartography, Navigation and the Tranformation of
Territory in the Twentieth Century
  (Após o Mapa: Cartografia, Navegação e a Transformação do Território no Século XX – livre tradução do Geografismos ).

No livro, o pesquisador em História da Ciência de Yale faz uma impressionante historiografia sobre o processo de construção de cada um destes marcos de consolidação do saber geográfico, do conhecimento geodésico e da criação do sistema informações geográficas, listando as ambições, os pontos de confluências e divergências de cada um deles .

Partindo de uma visão historiográfica rica em documentos – e sobretudo mapas – Rankin conta com detalhes e fontes robustas a construção destes três grandes projetos geográficos. A interessante hipótese da pesquisa é que tanto o mapa-múndi ao milionésimo, quanto o sistema UTM e o GPS moldaram e continuam a moldar a percepção de mundo. Em outras palavras, a noção e percepção de território tende a variar de acordo com o sistema de representação territorial que se tende a usar, e como esta percepção está impregnada do contexto histórico e regional que desenvolve estes sistemas.

A investigação do autor se volta especialmente para as evoluções do saber cartográfico e da apropriação técnica por outras áreas. Se antes tratava-se de uma área exclusiva para acadêmicos e militares, as técnicas cartográficas vão, gradativamente se transformando em uma conhecimento de suporte para administradores, planejadores estatais, funcionários de corporações entre outras tantas aplicações que hoje conhecemos: agricultura, engenharia de produção; controle de tráfico, agentes imobiliários, etc.


Mapa ao Milionésimo

A primeira parte do livro remonta ao final do século XIX, quando geógrafos de países interessados na padronização de mapas e na criação de cartas com maior detalhamento debatem regras, padrões e metodologias para a elaboração de mapas com riquezas de detalhes capazes de identificar , cada um 1/60 avos do planeta. O autor mostra o ambicioso projeto cartográfico de representar em papel todo o planeta, com riqueza de detalhes, capitaneado por cartógrafos europeus com o objetivo de oferecer o maior mapa-mundi já feito.

Com precisão histórica, a narrativa de After the Map detalha como este projeto alcança seu ápice na década anterior à 1ª Guerra Mundial e vai, gradativamente, vivenciando o paradoxo de todo e qualquer mapa: quanto maior em detalhes, menor em noção geral do todo; e , ao mesmo temo, quatno maior a noção de totalidade, menor a compreensão dos detalhes.

Por óbvia que seja a contradição inerente a qualquer mapa, o livro dá especial atenção às escolhas feitas por quem elabora cartas geográficas. Decisões que muitas vezes são feitas para ora apresentar uma visão mais ampla ora por um recorte com maior riqueza de detalhamento.

Ainda na primeira parte o professor Willian Rankin apresenta ao seu leitor aspectos importantes e contraditórios nos maiores marcos da cartografia contemporânea. A interessante disputa por padrões de cores bem como de elementos gráficos, são apenas dois exemplos das dificuldades que cartógrafos vivenciaram em um período em que sequer a indústria gráfica contasse com padrões de cores, de impressão e como não era óbvio que montanhas fossem marrons e planícies sempre verdes, como estamos acostumado a ver nos altas escolares.

Outro aspecto curioso além dos avanços e limitações técnicas e tecnológicas é a abordagem de Rankin – feita com propriedade e extensa documentação – sobre as disputas entre agentes estatais, corporativos, militares e econômicos para estabelecerem suas perspectivas ou – se apropriando de um termo caro à cartografia – sobre qual projeção que seria dada e como esta escolha tem a ver com aspectos regionais.

O Sistema UTM

Na segunda parte do livro , que aborda como um sistema de cálculo de artilharia francês leva a cartografia e os exércitos a uma necessidade de criação de grades coordenadas que, gradativamente são desenvolvidas, unificadas e , por vezes, apropriadas, por vencedores de guerras para o desenvolvimento do sistema de coordenadas da Universal Transversa de Mercator, ou simplesmente UTM, e de como esta inovação permitiu a cartografia e o mapeamento do território não apenas por latitude e longitude mas também um grande avanço na precisão e localização geográfica ao incluir na feitura de mapas o uso de cálculos geodéiscos e tabelas de equivalências em que latitudes e longitudes pudessem ser marcados com precisão em projeções e mapas planos em que a curvatura da terra e cálculos estivessem incluídas.

A adoção do sistema baseado em cálculos da Projeção Cassini e a incrível história de como este cartógrafo, em plena Revolução Francesa calculou distâncias e, a partir dela deduziu a curvatura da Terra, foram primordiais para os estudos geodésicos. Nesta parte do livro Rankim aborda como a evolução de cálculos sobre a precisa curvatura da Terra permitiram um maior precisão para determinar localização de um ponto em campo de batalha bem como para adequar mapas e permitir que eles “se encaixassem” uns nos outros, evitando as famosas “zonas cegas” entre mapas.

A partir da segunda guerra mundial e da polarização entre EUA e URSS o aperfeiçoamento dos mísseis , dos radares e sonares revolucionaram a forma de mapear o mundo. Destas técnicas para fins militares, sobretudo para bombardeios aéreos, localização naval e a pontaria de foquetes e mísseis intercontinentais, o sistema de grade de pontos que ficou conhecido pela sigla UTM vai, aos poucos sendo também utilizado para a navegação mercante e para a consolidação de sistemas de navegação e rotas de aeronaves comerciais.

Interessante a perspectiva do autor de enfatizar como os processos de consolidação de referenciais cartográficos se dá de maneira desigual e desproporcional. Rankin pontua bem ao considerar que um padrão ou sistema se consolida por aspectos que não remetem apenas os avanços tecnológicos mas também por um conjunto de ações de atores envolvidos que, a partir de suas necessidades, vão se tornar usuários de um determinado padrão por interesses próprios.

O autor problematiza portanto a famosa frase de Yves Lacoste, para também mostrar que a geografia, Além de servir para guerra, pode ser usada, sobretudo na segunda metade do século XX para fazer dinheiro. Um debate que tem a ver com a apropriação de técnicas até então exclusivas de geógrafos para novas áreas como a engenharia, a administração e a computação que se utilizam de técnicas da Geografia para outros propósitos, decerto relacionados a outras manifestações de poder, mas nem sempre militar.

GPS

A terceira parte mostra como a revolução das telecomunicações , sobretudo o uso de radares, sonares e satélites vão, gradativamente lançando as bases para os sistemas de informações geográficas oriundos de dois sistemas militares e a sua relação com o desenvolvimento dos sistemas de controle de alvos para foguetes e que hoje usamos para identificar o caminho de nossos carros: o GPS.

Nesta parte o leitor tem conhecimento de um elenco de tecnologias de geoprocessamento (aerometria, por foto e por rádio) que foram desenvolvidos e trouxeram contribuições a novas gerações de sistemas que evoluem até ao que hoje é considerado o GPS.

Outro rica discussão da obra está na percepção do autor sobre os avanços tecnológicos que, por um lado tendem a consolidar um sistema único, mas que em breve novas tecnologias tornam-no obsoleto e em breve ele é substituído por sistemas marginais que, em sequencia confrontam-se até que um sistema seja considerado padrão e assim segue sucessivamente..

Portanto um livro que une a riqueza de mapas, gráficos e uma rica pesquisa histórica mas que vai além de fazer um relato das evoluções tecnologias. A forma como a narrativa é estruturada conta com importantes análises para estudiosos não só da geografia, como também da geodésica, da engenharia, da cartografia e áreas que cada vez mais se valem dos mapas para desempenharem suas atividades.

Um livro que merece ser traduzido pelo seu escopo e a contribuição para o estudo da cartografia impressa e a cartografia digital.

Resenha por Lúcio Mello

 

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